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Preços em tendência de alta, consumo acima da capacidade produtiva e percepção de risco com as contas públicas devem contribuir para mais altas dos juros — que devem se manter altos por um bom período. O que você precisa saber sobre a taxa de jurosDivulgaçãoO Comitê de Política Monetária (Copom) do Banco Central (BC) elevou a taxa básica de juros em 1 ponto percentual nesta quarta-feira (19), como havia sinalizado em sua última reunião. Agora, a taxa Selic está em 14,25% ao ano, maior nível desde o governo Dilma Rousseff (PT).Este foi o quinto aumento consecutivo dos juros, em uma sequência de altas que começou em setembro do ano passado. E não deve ser o último: o BC indicou que poderá aumentar novamente a Selic na próxima reunião, marcada para os dias 6 e 7 de maio.Especialistas ouvidos pelo g1 também esperavam mais uma alta este ano, e o mercado projeta que a Selic deve encerrar 2025 próxima aos 15% ao ano, segundo o boletim Focus (relatório do BC que reúne as projeções de mais de 100 instituições financeiras).A principal razão para essa visão pessimista é a inflação brasileira, que encerrou 2024 com alta de 4,83%, acima da meta do BC, e deve fechar 2025 em um patamar ainda maior, segundo as projeções. O Focus aponta uma projeção de 5,66% para a inflação de 2025, enquanto a meta continua a mesma: de 3%, com intervalo de tolerância entre 1,50% e 4,50%. Até fevereiro, dado mais recente do IBGE, o IPCA acumula alta de 5,06% em 12 meses.Economista analisa aumento da Selic: 'Continuamos com muita incerteza fiscal no Brasil'Por que a inflação continua pressionada?O IPCA é composto por diversos grupos de bens e serviços. Para entender melhor o movimento inflacionário, é importante olhar para duas classes específicas: os preços monitorados e a inflação de serviços.Os preços monitorados, também chamados de administrados, são aqueles controlados parcial ou totalmente. É o caso da energia elétrica, alimentos, taxas de água e esgoto, combustíveis e tarifas de transporte público. Esses preços não seguem livremente a lei de oferta e demanda, mas são determinados pelo governo ou pelo mercado.Em fevereiro, por exemplo, os combustíveis tiveram uma inflação de 2,89%, principalmente devido ao aumento do Imposto sobre Circulação de Mercadorias e Serviços (ICMS) no início do mês. No acumulado de 12 meses, a inflação geral dos preços monitorados registrou alta de 5,19%.Por serem preços que não seguem a oferta e demanda do consumidor nacional, "esses itens, que têm grande peso no índice, não podem ser controlados pela política de juros", explica Ariane Benedito, economista-chefe do PicPay.O que determina esses preços, então, são questões como o valor do dólar, que serve de referência para a importação de muitas commodities, o valor do petróleo no mercado internacional e fatores climáticos, que podem ajudar ou prejudicar produção de alimentos e geração de energia, por exemplo.Fatores como a cotação do dólar, que serve de referência para a importação de commodities, o preço do petróleo no mercado internacional, e fatores climáticos, que podem ajudar ou prejudicar a produção de alimentos e a geração de energia, são mais relevantes para esses itens.A inflação de serviços está na ponta oposta: sofre mais influência da lei de oferta e demanda. Assim, se o nível da demanda sobe demais, como tem acontecido, os preços tendem a subir.Essa é a inflação que mais aumenta a percepção de que "tudo está mais caro", pontua Ariane, do PicPay. Além de representar cerca de 35% do IPCA, os serviços incluem "itens do dia a dia que não têm substitutos e que costumam pesar bastante no orçamento, como aluguel, mensalidades escolares, planos de saúde, transporte, lazer e alimentação fora de casa".Fazenda eleva projeção da inflação para 4,9% em 2025Com os preços desses serviços básicos e muito presentes na rotina da população pesando mais no orçamento, cresce a inflação por expectativa (ou inflação psicológica). Isso leva a um aumento no consumo recorrente na tentativa de buscar preços melhores antes de uma possível alta, contribuindo ainda mais para a inflação.Até fevereiro, a inflação de serviços acumulada em 12 meses foi de 5,32%, acima dos preços monitorados e da média do IPCA. No entanto, esse índice é ainda maior ao descontar os efeitos sazonais (como promoções após o Natal), de acordo com Alexandre Maluf, economista da XP. Nessa conta, a inflação anual de serviços gira em torno de 8%.Maluf explica que essa pressão inflacionária sobre os serviços tem três principais causas:Mercado de trabalho aquecido: A taxa de desemprego no Brasil está em um patamar historicamente baixo. Isso coloca mais dinheiro na mão da população, aumentando o consumo, mas também dificulta novas contratações e força as empresas a oferecerem salários maiores. Com menos mão-de-obra disponível e uma demanda forte, a capacidade produtiva do setor diminui — ou seja, não consegue ofertar o necessário para suprir a demanda por consumo.Inércia inflacionária: Alguns itens dentro do setor de serviços — como aluguéis, mensalidades escolares e de academias, por exemplo, que reajustam os preços uma vez por ano — demoram para repassar ao consumidor os aumentos de custos causados pela inflação passada. Isso provoca um reajuste inflacionário "atrasado", que também afeta os preços.Custos de insumo e energia: Muitos serviços dependem de insumos — como restaurantes que utilizam alimentos e salões de beleza que consomem energia elétrica. Portanto, a alta dos preços administrados também influencia os reajustes nos valores dos serviços, especialmente em um momento de alta demanda de consumo.Miriam Leitâo: Mercado sem consenso sobre sinalização do Copom sobre jurosPor que o aumento de juros é necessário neste cenário?Para Rafaela Vitória, economista-chefe do Inter, a principal forma de reduzir a inflação é desaquecendo a demanda por meio do aumento dos juros.Quanto maior a taxa Selic, que serve de referência para todas as taxas aplicadas no Brasil, maiores também serão os juros cobrados em operações financeiras. Isso torna a tomada de crédito pela população mais cara, caso de financiamentos, empréstimos ou parcelamento de compras no cartão.A lógica é que, com o crédito mais caro, menos pessoas buscam alternativas para realizar compras de novos produtos ou consumir serviços.O freio começa pelas compras de maior valor, como imóveis, carros ou outros bens duráveis. Com o tempo, reduz a demanda por serviços, já que o acesso mais custoso ao dinheiro leva a uma priorização dos gastos essenciais.Por isso, os economistas explicam que há um intervalo entre uma decisão do Copom e seu efeito na economia real. O cálculo é que qualquer mudança na Selic demora ao menos seis meses para ser sentida.A expectativa do mercado é de que o Copom mantenha os juros altos por mais tempo, para que o efeito dure tempo suficiente para reduzir o consumo e diminuir a inflação.O Inter projeta mais uma alta de 0,50 p.p., levando a Selic aos 14,75% ao ano. O banco acredita que os juros devem começar a cair ainda em novembro.O PicPay projeta uma alta de 0,75 p.p., levando os juros a 15% ao ano. E só espera que o ciclo de quedas comece em janeiro de 2026.A XP espera duas altas, uma de 0,75 p.p. e outra de 0,50 p.p. A Selic chegaria a 15,50% no meio do ano. Os cortes também só devem começar no início do próximo ano."Esse patamar reflete a necessidade de conter pressões inflacionárias persistentes, especialmente nos serviços, e a demanda aquecida", comenta Rodolfo Margato, economista da XP."A partir daí, projetamos cortes graduais a partir de 2026, com a taxa caindo para 12,50% até dezembro de 2026. No entanto, isso depende de uma desaceleração ordenada da economia e do controle fiscal."Quando os juros sobem muito, cresce também a cautela com a possibilidade de uma desaceleração da atividade econômica do país. Mas os economistas avaliam que o desaquecimento da economia já é esperado, e o Brasil não deve passar por uma recessão neste ano. A mesma opinião aparece no Focus, que aponta uma estimativa de crescimento de 1,99% para o PIB em 2025. No ano passado, o país cresceu 3,4%."Mesmo com a desaceleração econômica, o BC precisará manter os juros altos para combater a inércia inflacionária e ancorar expectativas. Só veremos cortes quando houver sinais claros de que a inflação convergirá para a meta de 3% no médio prazo", diz Margato.